domingo, 30 de dezembro de 2012

Kummerspeck: gordo de tristeza


                     
Obesidade não é um problema novo, temos relatos sobre essa enfermidade desde a antiguidade, porém na concepção de doença e, na proporção de epidemia conforme constatado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), agora considerada um mal contemporâneo. Como epidemia do século XXI, atinge tanto países de primeiro mundo, como países em desenvolvimento. Estudos mostram que a obesidade já é problema mais freqüente e mais grave que a desnutrição, sendo considerada como um dos principais sintomas de neurose no mundo ocidental (Woodman, 1980). É também, um importante fator de risco para patologias graves, como a diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão, distúrbios reprodutivos em mulheres, alguns tipos de câncer e problemas respiratórios. A obesidade pode ser causa de sofrimento, depressão e comportamentos de esquiva social, prejudicando em muitos aspectos a qualidade de vida das pessoas.
A obesidade é de etiologia múltipla, genética, emocional e comportamental com influências culturais, sociais, econômicos e de fatores demográficos.
No que diz respeito ao aspecto psicológico e ao desenvolvimento humano podemos considerar a importância da alimentação na vida da pessoa, já presente nas primeiras relações entre mãe e bebê quando, inegavelmente, a alimentação está ligada à condição de sobrevivência humana.
Segundo Freud, quando alimentado, ainda no seio materno, o bebê busca alivio para sua sensação desprazeirosa reconhecida como fome, momento em que deve receber o aconchego materno, o toque, reconhecer o som dos batimentos cardíacos da mãe e principalmente seu olhar materno, fator indispensável para o início da constituição psíquica de ser. Quando no ventre materno, o ser humano está na plenitude, já que, totalmente protegido, ele é suprido de todas suas necessidades, daí se dizer que quando se nasce, se cai do paraíso e a partir daí o ser vai viver a vida toda em busca da plenitude perdida. Há uma espécie de vazio, de falta que nunca poderá ser preenchida a não ser que se pudesse voltar ao útero materno. No entanto, o homem busca incessantemente, por diversas formas, reaver, ainda que de forma ilusória, essa plenitude (o prazer de ter todas as suas necessidades e desejos completamente satisfeitos). Ledo engano. Há quem busque a plenitude nas drogas, no sexo, o obeso busca na comida, etc.
A fome do obeso é pulsional, é infantil, é voraz. Utiliza-se da comida como se o ato de alimentar-se o reconduzisse a um estado de nirvana.
O processo alimentar é o eixo da vida emocional no início da primeira infância, é o centro do universo da criança. Quanto mais amadurecido o ser, maior a condição de distinção entre necessidade e desejo. Esse desejo é uma espécie de constatação amorosa em nós da nossa incompletude, da certeza de não sermos plenos, completos, de que nos faltam coisas. Esta fantasia que funciona em nós como uma espécie de representação do que devemos alcançar para que possamos finalmente chegar a esta suposta plenitude
Na vida adulta a alimentação continua um elemento obrigatório no cotidiano e em excesso legitimado, sobretudo, em rituais festivos: Natal, casamentos, comemorações, etc. Aqui já não há apenas a presença da necessidade do alimento em si, mas o desejo ou satisfação em se comer algo especial como, o peru, aquela macarronada, aquele churrasco, aquele pudim de leite condensado. O comer toma outras funções, não só de aplacar ou saciar a fome, mas satisfazer carências, necessidades internas relacionadas a frustrações, insatisfações, estresse emocional, etc. É justamente essa incapacidade que o obeso tem de simbolizar sua relação com o alimento que o leva a exagerar no consumo. 
Após as duas grandes Guerras Mundiais se observou que mulheres que passaram um período longo de carências, inseguranças e incerteza ou vivenciaram a perda de entes queridos, apresentavam a tendência em aumentar de peso, não explicada somente pelas questões calóricas. Nesta época, tornou-se comum o uso do termo Kummerspeck, (palavra de origem Germânica) que quer dizer “gordo de tristeza”.
Na verdade o luto, no sentido de qualquer perda material e/ou afetiva (morte, perda de emprego, perda financeira, divorcio, perda de estabilidade, de status, etc.), muitas vezes, torna-se disparadores do descontrole da fome. Os obesos dizem ter a impressão de estarem compensando alguma necessidade. Quando nos aprofundamos nas causas das compulsões percebemos que estão muito mais ligados a sentimentos de culpa, reprovação, e auto-recriminação.
A compulsão alimentar pode, ainda, atuar como mecanismo de defesa, ou como se essa fosse a única forma de resolução de problemas.
Daí a importância de se entender a relação que o obeso estabelece com a comida, seus recursos para lidar com limites internos e externos, sua capacidade de tolerar frustrações, entre outros.

                 Profa Dra Edna Paciência Vietta
                               Psicóloga Clínica

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